Por José Sócrates
Primeiro, o impeachment, depois a prisão, depois a inelegibilidade, agora o desprezo pelo direito internacional.
Primeiro, o impeachment, depois a prisão, depois a inelegibilidade, agora o desprezo pelo direito internacional.
Eis o que vemos no Brasil: um regime completamente desmoralizado, sem parlamento, sem governo, sem política, sem autoridade. Um regime entregue a personagens de opereta – um juiz que promove escutas ilegais e as divulga; um diretor da polícia que desrespeita a ordem judicial de soltura de Lula porque recebeu um telefonema ordenando-lhe o contrário; um chefe militar que avisa que não aceitará impunidade e que está atento "às suas missões institucionais"; um Tribunal dito Supremo que se transforma subitamente em Parlamento, aprovando, com recurso a estapafúrdias hermenêuticas jurídicas, verdadeiras alterações à Constituição, por forma a que se possa, sem sentença judicial transitada em julgado, prender um líder político.
Regressemos à ONU.
Regressemos à ONU.
Alguns dirão que esta não tem forma de fazer cumprir as suas decisões. Sim, não tem, mas tem do seu lado a arma mais importante: a legitimidade, isto é a autoridade que dispensa a força. Do outro lado está apenas a força sem nenhum tipo de autoridade. Podem não cumprir, é certo. Mas não sei como, depois disso, ainda esperam que a ONU reconheça as eleições brasileiras como livres e justas. Bem vistas as coisas, talvez o mais importante legado do mandato de Lula à política brasileira tenha sido a aprendizagem democrática de transformar velhos inimigos em leais adversários.
Infelizmente estes não se tem mostrado a altura dessa herança, e essa é toda a desgraça da democracia brasileira. Estamos já em campanha eleitoral e o antigo presidente continua à frente das sondagens – e com percentagens acima da soma de todos os outros candidatos. O povo parece não acreditar que o seu processo judicial foi justo e não se dispõe a desistir dele. O antigo ministro das relações exteriores, Celso Amorim diz que "a desobediência civil está nas sondagens". Agora, a cinquenta dias da eleição, a ONU resolveu juntar-se à desobediência.
José Sócrates
Carvalho Pinto de Sousa GCIH é um político português. Foi
secretário-geral do Partido Socialista, de setembro de 2004 a julho de
2011 e primeiro-ministro de Portugal de 12 de março de 2005 a 21 de
junho de 2011. Além desses postos, José Sócrates foi secretário de
estado-adjunto do Ministério do Ambiente e Ministro do Ambiente e do
Ordenamento do Território no governo de António Guterres, e um dos
organizadores do campeonato de futebol UEFA Euro 2004 em Portugal.